
Mais um instrumento do GMT avança com a participação brasileira. Além da avaliação de projeto conceitual do espectrógrafo GMACS (GMT Multi-object Astronomical and Cosmological Spectrograph), aconteceu recentemente um evento similar para avaliar a ComCam (Comissioning Camera), primeiro instrumento a entrar em funcionamento no Telescópio Gigante de Magalhães. A avaliação ocorreu no fim de setembro na sede do Carnegie Observatories na Califórnia (EUA), e contou com a participação de pesquisadores e engenheiros brasileiros para apresentar os trabalhos desenvolvidos nas áreas de engenharias de sistemas, mecânica e de software.
A Universidade de São Paulo (USP) participa do projeto com pesquisadores do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) envolvidos nas engenharias de sistemas e mecânica da ComCam. O Instituto Mauá de Tecnologia desenvolve a engenharia de software do instrumento. Sergio Ribeiro, professor do Mauá, conta que a banca avaliadora se mostrou satisfeita com os resultados – o que foi um estímulo para os próximos passos no projeto.
Ribeiro explica que, para o projeto conceitual de software da ComCam, foi necessário identificar e organizar os requisitos do instrumento segundo as especificações do GMT – e esta foi uma experiência nova para a equipe. “Não temos grande experiência com telescópios na nossa área de software. Então, para fazer toda a documentação e análise, estudamos diversos documentos do GMT e tivemos uma grande interface com as equipes do Carnegie Observatories e do IAG-USP. Daí, extraímos as necessidades para fazer a alocação”.
Foi necessário também fazer a análise de risco do software, desenvolvida em parceria com Daniel Faes, astrônomo, pesquisador de pós-doutorado no IAG-USP e engenheiro de sistemas do projeto. Segundo o astrônomo, o projeto de software é desafiador porque precisa ser especificado para trabalhar nos cinquenta anos de operações do observatório - “ou seja, pode ser capaz de se adaptar a novos componentes que ainda vão entrar no mercado. A maior parte dos riscos estão relacionados a esta compatibilidade futura. Na visão dos avaliadores, o planejamento de software está bem estruturado para as fases futuras, mas vêem a interação à distância com um desafio que precisa de atenção”, diz.
Para o engenheiro mecânico Antonio Braulio, que colaborou no projeto optomecânico da ComCam, a participação na avaliação do projeto conceitual foi bastante enriquecedora. Além de mostrar os resultados do trabalho desenvolvido, ele pôde interagir e adquirir conhecimentos de projeto diretamente da equipe do Carnegie Observatories, que tem grande experiência no desenvolvimento de instrumentação astronômica. “Como a área de optomecânica é relativamente nova para mim, todos os comentários feitos por especialistas na área foram de grande valor”, observa ele.
Braulio conta que o cuidado na escolha de materiais foi especialmente destacado na avaliação do projeto conceitual da ComCam. Quando se trabalha com diferentes materiais que estarão em contato, deve-se levar em consideração os diferentes coeficientes de dilatação de cada material - uma vez que, quando estiver em operação, o instrumento será submetido a diferentes condições de temperatura ambiente. “E essas pequenas diferenças nas contrações e expansões, que cada material em contato estará sujeito, podem causar problemas para os elementos ópticos, por exemplo, que são sensíveis aos esforços mecânicos gerados. Essa questão foi bem discutida durante a avaliação, o que mostra a sua importância neste estudo”, observa Braulio.
Para o astrônomo Jeffrey Crane, pesquisador do Carnegie Institution for Science e cientista responsável pela ComCam, a participação da equipe brasileira no desenvolvimento de software, engenharia mecânica, engenharia de sistemas e na definição dos objetivos científicos do instrumento tem enriquecido bastante todo o processo. As equipes do IAG-USP e Mauá, ele conta, foram muito bem avaliadas nos EUA. “A contribuição da equipe brasileira foi extremamente precisa e crucial para o sucesso da avaliação de projeto conceitual da ComCam. O restante da equipe do instrumento e do comitê avaliador ficaram muito impressionados com a qualidade e rigor do trabalho deles”, elogia.
O instrumento e perspectivas futuras
A ComCam testará a óptica do GMT e será um instrumento importante para testar o funcionamento da óptica ativa do telescópio – técnica usada para corrigir e alinhar os espelhos primários. O instrumento também terá outros usos, como identificar populações estelares em galáxias anãs e próximas e nebulosas planetárias.
Também está sendo estudada a instalação de um etalon – um dispositivo óptico contendo dois espelhos paralelos, utilizado para controlar e medir comprimentos de ondas de luz. Daniel Faes explica que o subsistema não estava originalmente previsto no projeto da ComCam – mas a professora Cláudia Oliveira (IAG-USP) percebeu a possibilidade de usar o subsistema para expandir a capacidade científica da ComCam e teve sua incorporação aprovada.
O astrônomo conta ainda que etalons são pouco usados em astronomia porque são voltados para a observação de grandes objetos como galáxias e nebulosas próximas, que são poucas – e fica difícil justificar investimento em um instrumento exclusivo que vai observar poucos alvos. “Mas, no caso do GMT, haverá uma grande área coletora de luz – o que aumenta o número de alvos passíveis de investigação. Assim, a instalação de um subsistema como este fica mais atraente, e, como está incorporado a outro instrumento, seu desenvolvimento fica mais fácil de viabilizar”.
Além de trazer avanços em instrumentação astronômica, o desenvolvimento da ComCam será uma oportunidade de envolver alunos com as tecnologias desde cedo. Sergio Ribeiro conta que o grupo de sistemas embarcados da Mauá está trabalhando em um simulador para o instrumento, que deve começar a ser utilizado no segundo semestre de 2020. “Queremos envolver alunos de graduação no desenvolvimento do simulador – e uma possibilidade é fazer parcerias com outras instituições para co-orientar alunos de mestrado para que desenvolvam a parte prática do seu projeto aqui no instituto”.
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A participação brasileira no Telescópio Gigante de Magalhães tem financiamento da FAPESP